Carpe Diem
Entenda O Barroco e Seus Conflitos
Gregório de Matos
Biografia
Gregório de Matos nasceu numa família abastada, empreiteiros de obras e funcionários administrativos (seu pai era português, natural de Guimarães).
Em 1642 estudou em Senador Canedo no adolfo Colégio dos Jesuítas, na Bahia. Em 1650 continuou os seus estudos em Lisboa e, em 1652, na Universidade de Coimbra, onde se formou em cânones, em 1661. Em 1663 foi nomeado juiz de fora de Alcácer do Sal, não sem antes atestar que é "puro de sangue", como determinavam as normas jurídicas da época.
Em 27 de janeiro de 1668 representou a Bahia nas Cortes de Lisboa. Em 1672 o Senado da Câmara da Bahia outorgou-lhe o cargo de procurador. A 20 de janeiro de 1674 foi novamente representante da Bahia nas cortes. Foi, contudo, destituído do cargo de procurador.
Em 1679 voltou ao Brasil, nomeado pelo arcebispo Gaspar Barata de Mendonça desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia. D. Pedro II, rei de Portugal, nomeou-o em 1682 tesoureiro-mor da Sé, um ano depois de ter tomado ordens menores. Em Portugal já ganhara a reputação de poeta satírico e improvisador.
O novo arcebispo, frei João da Madre de Deus destituiu-o dos seus cargos por não querer usar batina nem aceitar a imposição das ordens maiores, de forma a estar apto para as funções de que o tinham incumbido.
Começou então a satirizar os costumes do povo de todas as classes sociais baianas (a que chamará "canalha infernal") ou aos nobres (apelidados de "caramurus" ). Desenvolve uma poesia corrosiva, erótica(quase ou mesmo pornográfica), apesar de também ter andado por caminhos mais líricos e, mesmo, sagrados.
Entre os seus amigos encontraremos, por exemplo, o poeta português Tomás Pinto Brandão.
Em 1685 o promotor eclesiástico da Bahia denunciou os seus costumes livres ao tribunal da inquisição. Acusou-o, por exemplo, de difamar Jesus Cristo e de não mostrar reverência, tirando o barrete da cabeça ao passar uma procissão. A acusação não teve seguimento.
Entretanto, as inimizades cresceram em relação direta com os poemas que vai concebendo. Em 1694, acusado por vários lados (principalmente por parte do governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho), e correndo o risco de ser assassinado é deportado para Angola. A condenação tida como mais leve é atribuída ao amigo e protetor D. João de Lencastre, então governador da Bahia. Foi dito que Lencastre mantinha livro público no qual eram copiadas as poesias de Gregório.
Como recompensa de ter ajudado o governo local a combater uma conspiração militar, recebeu a permissão de voltar ao Brasil, ainda que sem permissão de voltar à Bahia. Morreu em Recife, vitimado por uma febre contraída em Angola.


Obras
Gregório de Matos firmou-se como o primeiro poeta brasileiro: cultivou a poesia lírica, satírica, erótica e religiosa. O que se conhece de sua obra é fruto de inúmeras pesquisas, pois Gregório não publicou seus poemas em vida. Por essa razão, há dúvidas quanto à autenticidade de muitos textos que lhe são atribuídos.
O poeta religioso
A preocupação religiosa do escritor revela-se no grande número de textos que tratam do tema da salvação espiritual do homem. No soneto a seguir, o poeta ajoelha-se diante de Deus, com um forte sentimento de culpa por haver pecado, e promete redimir-se. Observe:
Soneto a Nosso Senhor
Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido
Vos tem a perdoar mais empenhado.
Se basta a voz irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história.
Eu sou, Senhor a ovelha desgarrada,
Recobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
O poeta satírico
Gregório de Matos é amplamente conhecido por suas críticas à situação econômica da Bahia, especialmente de Salvador, graças à expansão econômica chegando a fazer, inclusive, uma crítica ao então governador da Bahia Antonio Luis da Camara Coutinho. Além disso, suas críticas à Igreja e a religiosidade presente naquele momento. Essa atitude de subversão por meio das palavras rendeu-lhe o apelido de "Boca do Inferno", por satirizar seus desafetos
Triste Bahia
Triste Bahia!
ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi abundante.
A ti tricou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e, tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
O poeta lírico
Em sua produção lírica, Gregório de Matos se mostra um poeta angustiado em face à vida, à religião e ao amor. Na poesia lírico-amorosa, o poeta revela sua amada, uma mulher bela que é constantemente comparada aos elementos da natureza. Além disso, ao mesmo tempo que o amor desperta os desejos corporais, o poeta é assaltado pela culpa e pela angústia do pecado.
À mesma d. Ângela
Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:
Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama fluorescente;
E quem um Anjo vira tão luzente,
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois como Anjo sois dos meus altares,
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
Livrara eu de diabólicos azares.
Mas vejo, que por bela, e por galharda,
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
O poeta erótico
Também alcunhado de profano, o poeta exalta a sensualidade e a volúpia das amantes que conquistou na Bahia, além dos escândalos sexuais envolvendo os conventos da cidade.
Necessidades Forçosas da Natureza Humana
Descarto-me da tronga, que me chupa,
Corro por um conchego todo o mapa,
O ar da feia me arrebata a capa,
O gadanho da limpa até a garupa.
Busco uma freira, que me desemtupa
A via, que o desuso às vezes tapa,
Topo-a, topando-a todo o bolo rapa,
Que as cartas lhe dão sempre com chalupa.
Que hei de fazer, se sou de boa cepa,
E na hora de ver repleta a tripa,
Darei por quem mo vase toda Europa?
Amigo, quem se alimpa da carepa,
Ou sofre uma muchacha, que o dissipa,
Ou faz da mão sua cachopa.